O SOM DO SILÊNCIO

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Nossa rotina é agitada. Começamos a trabalhar e já abrimos uma caixa de e-mail lotada. Antes de terminar o primeiro e-mail, recebemos um áudio no WhatsApp e, antes que ele termine, duas notificações do Instagram. No fim do dia, sentimos que não fizemos o bastante, apesar de termos feito um pouco de cada coisa. Reconhecemos que nossa sensação de baixa produtividade está ligada às nossas constantes distrações, sem sabermos como lidar com elas.

Desde a última década, nós, expostos aos ruídos do dia-a-dia, mudamos ao ponto de nos sentirmos mais impelidos a pegar o celular diante de uma notificação, mesmo que claramente não seja nada importante, do que impelidos a conversar com uma pessoa que está ao nosso lado. Vivemos em um estado de ansiedade como se só nos sentíssemos produtivos se há ruídos — e por ruídos entendam-se as notificações sonoras de aplicativos, e até mesmo ruídos visuais, como todos os apelos que abundam em nossas telas. Obstáculos, todos eles, a uma conversa interessante ou ao término de nossa próxima linha de pensamento.

Mas conheço uma música que talvez nos ajude a encontrar a solução. The Sound of Silence é uma canção composta por Paul Simon em 1963. A música tornou-se um sucesso imediato e hoje é um clássico inegável. Na letra, o silêncio serve de metáfora para a ignorância e o mal crescendo no seio de uma sociedade que prefere adorar ídolos de néon de sua própria criação a ouvir as palavras dos profetas e a dar voz à música, numa referência à religião e à arte.

Muitos trechos da letra permanecem enigmáticos após tantos anos. A inspiração para The Sound of Silence, porém, nos ajuda a compreender um pouco de seu significado. A música surgiu das longas sessões de prática de violão de Paul Simon na solidão de seu quarto, ou melhor, do banheiro do quarto. Banheiros têm uma excelente acústica; além disso, esse era o único lugar de sua casa em que Simon, então com 21 anos, conseguia sossego para tocar.

Logo na primeira linha da letra temos “Hello darkness, my old friend/ I’ve come to talk with you again” (Olá, escuridão, minha velha amiga/ Eu venho falar contigo outra vez). Apesar de parecer um tanto obscura, a letra aqui faz referência à escuridão do banheiro de Simon, pois ele preferia compor de luzes apagadas. Era sua forma de afastar-se de toda a distração visual ou sonora para treinar e compor.

Ao contrapor a letra de The Sound of Silence com sua história, encontramos duas formas drasticamente diferentes de silêncio. Um é o silêncio da mudez, aquele de que a música fala; o outro, um silêncio de tranquilidade e ócio, ausente no cotidiano tumultuado da era digital. Não era à toa que Paul Simon preferia tocar violão no escuro: era porque o processo de criação artística precisa de silêncio, concentração e ócio; temos as mesmas necessidades para nosso trabalho e aprendizado.

O silêncio não pode ser comprado ou armazenado para mais tarde, ele tem de ser cultivado. Sua crescente escassez em nosso meio só o torna mais valioso. A reflexão sincera, o trabalho primoroso, a arte e o aprendizado pleno só acontecem com naturalidade quando conseguimos ouvir o som do silêncio.