O EMPRÉSTIMO DA GLOBALIZAÇÃO

 

 

 

 

 

 

Nesses meses de lockdown, trabalhamos em homeoffice, assistimos a lives no YouTube, acompanhamos stories no Instagram e assistimos a séries em nosso serviço de streaming predileto. Em tempos assim, nem mesmo percebemos que grande parte das palavras que usamos não está em nossa língua materna. Então nos perguntamos: “Como nossa língua pôde mudar tão rápido?”.

Antigamente, quando um novo produto estrangeiro era lançado, havia um longo período até maioria dos brasileiros ter acesso a ele. O mesmo acontecia com publicações científicas. Muitos termos e conceitos da ciência só chegavam ao grande público através de reportagens ou documentários expostos por veículos da grande mídia. A consequência disso é que as palavras eram traduzidas, modificadas, adaptadas ao nosso idioma (“aportuguesadas”, se preferir), o novo termo fazia parte do cotidiano brasileiro e, depois de certo tempo de uso, era incorporado ao dicionário. Mas esse processo não acontece mais hoje em dia.

Atualmente, o processo acontece de maneira muito mais rápida, pois perdemos o intermediário. Não esperamos mais pela mídia ou pelos anúncios publicitários; agora podemos acompanhar as novidades do mercado e da ciência em tempo real via internet — como os lançamentos da SpaceX, por exemplo. Vamos direto à fonte antes que se crie a “versão brasileira” de muitas palavras. Isso sem falar em todos os equipamentos que se tornaram obsoletos antes de se inventar uma palavra em português para eles, como o iPod, o tablet ou o Google Glass.

Com o processo de globalização catalisado pela internet, aderimos a termos técnicos estrangeiros — a síndrome de burnout (esgotamento físico e mental), por exemplo — e muitas vezes nem temos ideia de como seria o equivalente em português. Quem escreve blogue em vez de blog? Quem fala correspondência eletrônica em vez de e-mail, ou sítio eletrônico no lugar de site? Aderimos de tal maneira a essas palavras que a palavra em língua inglesa se tornou mais natural para nós. Mais do que simplesmente acrescentamos ao nosso vocabulário palavras estrangeiras, nós simplesmente não conseguimos mais nos comunicarmos sem elas. A esse processo de assimilar palavras estrangeiras sem alteração da escrita ou da fonética, damos o nome de “empréstimo linguístico”.

Quando falamos em fake news, não estamos mais falando apenas de “notícias falsas” (uma tradução literal). Ao traduzirmos, o termo perde um pouco de sua carga semântica. Uma notícia falsa é algo pequeno, que acontece desde sempre. Fake news significa Trump, China e guerra midiática, grande mídia versus mídia independente… Criamos um significado internacional para esse termo e prova disso é sua constante aparição como trending topic no Twitter — trending topic é outra expressão que preferimos falar diretamente em inglês a traduzir.

Por fim, a língua inglesa tornou-se a língua do mercado, da mídia, da ciência e da internet. A predominância da língua tornou-se tamanha que não pensamos mais em jogo-da-velha, falamos diretamente hashtag, e estranharíamos muito se ouvíssemos o termo correto: cerquilha ou antífen. O inglês afirma-se como a língua da globalização e ao português cabe o lugar de receptor desse empréstimo linguístico.