NEUROPLASTICIDADE (II):

COMO MELHORAR SUA LEITURA

(E A DO SEU FILHO)

 

 

Ao repetirmos com frequência uma mesma ação, nossos neurônios criam e reforçam determinados caminhos neurais em detrimento de outros. A essa capacidade de maleabilidade do cérebro a ciência dá o nome de neuroplasticidade.

Como já abordado no texto anterior, por meio da neuroplasticidade nossas ações literalmente transformam o cérebro e criam hábitos. O problema é que essa transformação não acontece apenas para atividades que consideramos vantajosas. O mesmo processo se dá para padrões danosos de comportamento, os vícios. Provas disso são a crescente dependência das redes sociais e o chamado FOMO (fear of missing out, o medo de ficar de fora do que está acontecendo nas redes) que afetam tanto adultos como adolescentes e crianças.

Não é de se surpreender que toda nova ferramenta tecnológica amplamente utilizada cause, com o tempo, mudanças estruturais no cérebro. Foi assim há milhares de anos quando nossos antepassados inventaram a escrita. A nova tecnologia tornou obsoleto o costume de decorar longos poemas e discursos que agora poderiam ser registrados. Quando paramos de exercitar nossas habilidades, o espaço que estas ocupam no cérebro é transferido para as habilidades que praticamos em seu lugar. Com a invenção e o desenvolvimento da internet, muito mudou em relação aos nossos hábitos de leitura — e nem sempre para melhor.

Durante o processo de alfabetização, moldamos nosso cérebro à então nova habilidade de escrever; porém, a leitura contínua na internet e a exposição diária às telas estão outra vez mudando nosso cérebro. A internet nos lança uma infinidade de estímulos visuais e respostas instantâneas que encorajam a repetição de ações físicas e mentais. A necessidade de avaliar links para navegação enquanto se processa uma quantidade impressionante de estímulos sensoriais exige constante tomada de decisão, o que distrai o cérebro. O redirecionamento de recursos mentais da leitura de palavras para a realização de julgamentos (avaliar links, por exemplo) pode ser imperceptível para nós, mas foi cientificamente comprovado que prejudica a compreensão e a retenção das informações lidas.

É possível pensar profundamente enquanto se navega na internet, mas esse não é o tipo de pensamento que a tecnologia encoraja e recompensa. Quanto mais sistemático e rápido o pensamento, melhor. É difícil acreditar que em tal ambiente possa ocorrer uma leitura concentrada ou um aprendizado que não seja superficial.

Como podemos melhorar nossa leitura diante dessa realidade? A solução é mais simples do que parece. Em termos teóricos, basta subestimular os sentidos para estimular nossa atenção concentrada. Em termos práticos, isso se traduz na tradicional leitura em papel. Sem hiperlinks ou imagens eletrônicas, livros, jornais e revistas subestimulam os sentidos e libertam o cérebro das distrações, sem exigir funções de resolução de problemas. O cérebro então fica livre para uma leitura profunda.

É preciso entender que a resistência do cérebro em relação a novos comportamentos se dá devido ao tecido nervoso ser plástico, não elástico. As mudanças do cérebro exigem persistência e levam tempo. Pesquisas recentes, como a conduzida pela Dr. Phillippa Lally da University College, indicam que são necessários em torno de 66 dias para que um comportamento anteriormente desconhecido se torne automático para o cérebro.

Por que é útil saber isso? Porque, sabendo como funciona nosso cérebro, fica mais fácil coordenar nossa vida e nossos estudos (ou dos filhos, já que o mesmo processo se aplica a eles). A resistência do cérebro às novas atividades pode nos deixar desmotivados depois de passado o primeiro impulso. Devemos encarar isso com naturalidade e compreender que tal desconforto é passageiro. Assimilar novos hábitos é um processo lento, por vezes árduo, mas sempre gradual.

Por isso, desafie-se. Comece a aprender uma nova língua, estude em casa um pouco mais do que costuma, leia um pouco mais, pratique exercício físico, comece uma dieta ou dedique-se ao seu crescimento pessoal e profissional. Nos próximos 66 dias, persista e usufrua de sua neuroplasticidade para criar novos hábitos.